Espaço de debate de temas de Economia Portuguesa e de outros que com esta se relacionam, numa perspectiva de desenvolvimento

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Intuição e iniciativa empresarial

Não é a abundância ou escassez relativa de assuntos de actualidade que dita a escolha que faço dos temas que vou propondo aos leitores deste jornal. Há até ocasiões em que a multiplicidade de temáticas que vão emergindo no dia-a-dia e/ou a respectiva incomodidade político/social me inibem da escolha de algum. Nessas circunstâncias, a opção que acabo por fazer é quase sempre intuitiva e de última hora.
Isso voltou a acontecer-me na hora de escrever o presente artigo. Antecedendo o momento crítico da decisão, equacionei voltar a referir-me à má gestão da economia que o país vai tendo, à deplorável qualidade dos políticos que vão percorrendo os corredores de S. Bento, à cena já vista de sindicalistas que se vendem a troco de 30 dinheiros ou menos, numa sofreguidão difícil de descrever de mostrar serviço aos seus patrões do governo e das confederações patronais. Olhando João Proença, não pude deixar de recordar Torres Couto, há bastantes anos e numa altura em que ainda não éramos capazes de crer que fosse possível ver degradar tanto a economia e a qualidade da governação do país.
No momento decisivo da escolha do assunto cheguei a ter quase tomada a opção de fazer uma breve recensão de um livro colectivo (sobre “Governança Territorial e Desenvolvimento: uma introdução ao tema”; edição Garamond, Brasil) que virá a público dentro de poucos dias, e que tem como coordenador Valdir Roque Dallabrida, um professor universitário brasileiro com quem partilho muitas afinidades científicas e com quem vou mantendo correspondência regular. Equacionei falar sobre um livro sobre governança, digo, “que é um termo utilizado por diferentes áreas do conhecimento […] nem sempre com o mesmo sentido” (Dallabrida, 2012).
No último instante, no entanto, instintivamente, deixei-me resvalar para o tema “What makes an entrepreneur? The role of feelings” (O que é que torna alguém empresário? O papel dos sentidos), o que, feita a tradução, resulta numa expressão bastante ambígua. Muito menos ambígua será a problemática que está por trás desse título, que se prende com a questão de saber se é de natureza intuitiva ou racional a decisão que leva alguém a criar uma empresa ou, se quiserem, a ser empreendedor.
Esta foi a questão central a que se propôs responder o meu filho José Pedro Cadima na dissertação de mestrado que defendeu na passada 6ª feira na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, desde há poucos meses redenominada Nova School of Business and Economics, para, entre outras coisas, estar em maior consonância com o ensino em língua inglesa que pratica nos seus cursos de pós-graduação, pelo menos.
A minha vontade de acompanhar este meu filho nesse momento marcante do seu percurso académico levou-me a Lisboa nesse dia e a emoção do instante, junto com a curiosidade que a problemática científica em análise me suscita desde os remotos anos em que me cruzei pela primeira vez com o pensamento de Joseph Schumpeter ditaram a definitiva resolução em termos de escolha do tema para o artigo do Jornal de Leiria com que me vinha confrontando.
A dissertação faz uso de dados sobre a realidade empresarial nacional e, na componente analítica, explora a eventualidade de ser possível distinguir os perfis psicológicos (traços) e influência da rede de contactos sociais dos criadores de empresas e dos de outros detentores de capital e gestores de empresas. As conclusões não põem em causa o que é genericamente retido pela literatura científica da especialidade.
Em termos breves, resulta evidenciado que, embora os empreendedores não difiram substancialmente dos comuns proprietários de empresas (por herança ou por simples participação no capital de negócio já existente), são influenciados pelas circunstâncias enquadrantes (formação académica, ligações sociais: familiares, rede social geral) de forma diferente dos demais nas decisões que tomam quando está em causa a criação de uma empresa. Isto é, a componente intuitiva toma nos primeiros um peso maior no momento da tomada de decisão sobre o lançamento de um (novo) negócio.
Dizendo de outro modo, é do senso comum que distintos indivíduos reagem de modo diferente a realidades de partida iguais. Do mesmo modo se poderá inferir que diferentes indivíduos retirarão ilações diferentes de realidades análogas. É na capacidade de perceber oportunidades de mercado onde o comum dos sujeitos não as pressente que o empreendedor Schumpeteriano se distingue dos demais indivíduos.
Aqui chegado, como deixei dito, estava resolvida a dificuldade que me atormentou toda a passada semana.

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião a publicar em próxima edição do Jornal de Leiria, no quadro de colaboração regular)

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